…à medida que pedalamos pelo nosso trilho florestal, o sol trespassa as árvores, criando diante dos nossos olhos jogos de luz. Jogos esses que nos deixam em transe, num estado de consciência alterada em que as coisas simplesmente são. Podemos dizer então que está tudo bem…
Posso ter algumas bicicletas. Não sei se serão demais. Mas, de todas, há uma que considero A bicicleta: uma bicicleta do exército Suíço de 1944.
A Suíça é um país sui generis: conhecida pelas paisagens tipo postal perfeito, canivetes, relógios e queijo, é também dotada de uma das forças armadas mais únicas do Mundo. Algumas das montanhas suíças têm no seu interior bases aéreas, com portas escondidas entre árvores e rochedos – algo saído de um filme do James Bond. Será então surpreendente dizer que só nos anos 90, foi extinta a brigada de comunicações que usava nada mais nada menos que pombos correio. E, neste contraste entre o antigo e moderno, existe a bicicleta militar Suíça.
Este modelo específico esteve em uso desde 1905 (!) até meados de 1993. Neste ano foi introduzido um novo modelo que contava já com sete mudanças, para alívio dos soldados. A pior parte foi quando descobriram que continuariam a ter de carregar mais de 30 quilos de equipamento…
À primeira vista a Militärvelo M05 parece uma pasteleira “normal”. Mas, olhando com mais atenção, a história é outra. Vejamos então.
O projecto inicial para esta bicicleta, seria para que esta durasse 100 anos, se acreditarmos no boato. Basta dar umas pedaladas para perceber que este boato não está muito longe da verdade.
O selim, de cabedal (claro), confere ao ciclista conforto através das molas.
A data não mente, este quadro faz este ano 69 anos de uso.
O quadro é fabricado em aço (claro!) de tubagem grossa. As uniões conferem ao quadro uma resistência fora do comum. Não houve realmente uma preocupação em manter a bicicleta leve.
Relativamente aos componentes, vemos logo que tudo é de altíssima qualidade. Desde os cubos que ainda rolam como se de um novíssimo Mavic se tratasse, passando pelo selim, de cabedal, e pela caixa de direcção, tudo é feito para durar.
O cubo da frente, fabricado pela EDCO. No centro do cubo, encontramos uma pequena tampa: abrindo-a, podemos lubrificar o cubo com óleo.
Bastante largos, estes robustos pedais possibilitam pedalar com qualquer tipo de calçado.
Esta durabilidade é conseguida à custa de materiais de alta qualidade, tolerâncias de fabrico apertadas e claro, peso alto. O peso total da bicicleta ronda os 25 quilos. A relação carreto-pedaleira não é a mais “leve”, tendo a pedaleira 46 dentes e o carreto 20. A corrente parece saída de uma mota. Subir com esta bicicleta é um investimento para o futuro na forma física.
Relativamente a mudanças, não era de todo um conceito difundido na altura que a bicicleta foi desenvolvida, nem os Suíços iam perder a cabeça numa modernice destas. Para andar mais depressa, temos de pedalar com mais força. É assim tão simples. Ou não…
Podemos ver que tudo nesta transmissão é construído para durar. Reparem no pormenor do esticador de corrente no eixo traseiro.
A corrente é bastante mais larga do que uma corrente normal. No tubo do selim, vemos a bomba.
Quando precisamos de parar, contamos com três (!) travões: um travão à frente, que nada mais é que um calço de borracha a assentar directamente em cima do pneu, e atrás, um travão contra-pedal e um travão de tambor.
Luz frontal com dínamo. Este dínamo alimenta também a luz traseira. Logo em cima do pneu da frente, o referido travão.
Conjunto travão tambor e contra pedal.
A obrigatória campainha.
A pequena bolsa de cabedal no quadro contém um conjunto de ferramentas que possibilita a reparação da maior parte das avarias que possam acontecer.
Rodas 650B!
Não me canso de dizer bem desta bicicleta. Sempre que abro a porta da garagem, a bicicleta Suíça está sempre pronta a rolar. As outras podem ter um pneu em baixo ou qualquer outro problema mecânico, mas esta, está sempre pronta. E por isso, é A bicicleta.
Para quem segue este blog habitualmente, não é surpresa o facto de preferir de longe as bicicletas antigas às modernas. O que não quer dizer que as bicicletas modernas feias não possam ficar bonitas! O exemplo disso é a bicicleta da Laurita, a Felizbina, recentemente alterada na Oficina do Corvo.
Vejamos então o que foi feito.
Na fotografia acima, podemos ver a bicicleta da Laura antes da transformação. Uma bicicleta de todo o terreno igual a tantas outras. A decoração do quadro é de gosto (muito) discutível que parece gritar “sou uma bicicleta para corridas” a cada milímetro quadrado. Os pneus não são adequados a uso na estrada. E o porta-bagagens era feio e pesado.
A bicicleta cumpre perfeitamente a sua função, mecanicamente. Estéticamente, a Laura sentia-se triste com a Felizbina. Simplesmente não a achava bonita.
A missão era então, tornar a Felizbina mais bonita. Mais “clássica”, digamos assim.
E aqui está a Felizbina! Como podemos ver, o quadro foi pintado com uma cor bem mais discreta e bonita. Os logótipos desapareceram, tanto do quadro, como da suspensão da frente. O guiador de todo o terreno foi substituido por um mais bonito e confortável. A Laura pedala agora mais direita, que lhe possibilita conforto e melhor visibilidade em ambientes urbanos. Os punhos “ergonómicos” de borracha foram substituídos por umas bonitas fitas de cabedal, terminadas por rolhas no guiador a servirem de tampas.
A grelha porta-bagagens é agora uma Pletscher, de fabrico Suiço. Bonita, elegante e resistente. O alforge é um Bashô, feito à mão aqui mesmo em Lisboa. Os pneus são agora semi-slicks, possibilitando à Laura rolar depressa e sem atrito, mas mantendo o conforto, pois são pneus mais largos.
Para terminar, uns para-lamas completos para a bicicleta não ficar em casa nos dias de chuva.
A Laura diz-me que está satisfeita e que faz um figurão todos os dias a ir para o trabalho. Justamente o que queria ouvir!
A Felizbina é uma bicicleta que gosta de ler.
Felizbina a subir, algures na Ajuda.
Felizbina já com os para-lamas montados. Não há chuva que a pare!