Não é segredo que aqui na Velo Corvo se gosta de coisas antigas, ou pelo menos com aspecto e construção antiga. Por isso, fiquei muito, muito contente ao descobrir que aqui em Portugal há uma rapariga que se dedica ao fabrico de malas e alforges para bicicleta respeitando o estilo antigo francês.
Claro que tinha de saber mais. Venham conhecer a Marie e a sua marca Ardenne!
Começa bem 🙂 Os sacos dianteiros são a melhor maneira de transportar o que precisamos. Preço: 140 €
Como é que começaste a fazer as tuas próprias malas para cicloturismo?
Esta aventura começou (por estranho que pareça) com uma pasteleira. Como usava, e ainda a uso, para as minhas deslocações diárias, precisava de uma mala prática para transportar a minha tralha e adicionalmente compras. Sendo mais amiga de tentar fazer do que comprar pus mãos à obra com o material que tinha por casa.
Um amigo viu e desafiou-me a fazer uma mala de guiador e um par de alforges e quando dei por mim estava a comprar uma máquina de costura industrial e a correr meio mundo à procura de matéria prima. A partir daí tive uma encomenda de um amigo cicloturista francês, seguiram-se outras e aqui estou eu.
A pasteleira! Livraison a vélo!
Detalhe do fabrico.
Conta-nos um pouco sobre ti. Suponho que tenhas estado na França?
Nasci em França, vim para cá ainda criança. Segui o percurso dito normal, escola, secundária, universidade. A história só se torna interessante a partir do momento em que decidi pedalar uma pasteleira ferrugenta. Inscrevi-me em dois fóruns (um francês e outro português), bem conhecidos, sobre bicicletas antigas. Tomei gosto à mecânica e redescobri a liberdade que a bicicleta nos oferece a cada pedalada. Sem dar por isso a minha garagem (e a minha vida) foi invadida por bicicletas. Do uso diário passou para o lazer e o fascínio por viagens a pedal foi crescendo instalando-se definitivamente com a minha primeira randonneuse a sério. Em paralelo já estava a começar a fazer malas, pelo que uma coisa reforçou a outra.
Mala de selim. Tamanho compacto, excelente para passeios médios. Preço: 60 €
Rolo de ferramentas aberto. Fechado, fica …um rolo, que se prende com fivelas debaixo do selim. Não há desculpas para ir a pé para casa! Preço : 30€
Ardenne? Explica
Ardenne é o nome mais antigo da minha região natal, conhecida actualmente como Champagne Ardennes. Foi lá que a minha aventura em duas rodas começou e é uma das minhas fontes de inspiração.
Rolos de ferramentas, fechados.
Alforges traseiros. Para quando precisamos de transportar mais coisas. Preço:140€
Como vês o fabrico artesanal numa época que parece estar mais interessada no lucro rápido e modas de fácil consumo?
Vejo que há de facto uma grande tendência para o consumo de massas, produtos que se usam três vezes e a seguir vão para o lixo. São fáceis de obter e regra geral o preço é baixo.
A questão é que o produto artesanal tem algo que o industrial nunca terá: exclusividade.
Falando no meu caso, cada mala é feita para uma pessoa em particular e nalguns casos pensada para uma bicicleta específica, companheira de viagens grandes ou pequenas. O que quer dizer que todo um mundo de alterações e adaptações está disponível para quem compra e com isto a possibilidade de ter uma mala personalizada e verdadeiramente única.
Ao meu ver esta é a grande força do trabalho artesanal, e a que tem maior procura.
Alforges dianteiros, compactos. Reproduções de velhos clássicos. Preços: 120€
Que malas tens neste momento disponíveis?
Trabalho principalmente por encomenda, para poder oferecer o máximo de possibilidades de adaptar a mala ao gosto de quem a compra e claro, à bicicleta.
Tenho alguns modelos prontos a serem confeccionados :uma mala de guiador em dois tamanhos, alforges de enrolar, dois modelos de alforges, duas variações de rolos de ferramentas e uma mala de selim. Algo me diz que não vou parar por aqui, pois os modelos vão surgindo conforme a necessidade.
Alforges traseiros em cortiça!
Planos para o futuro?
Para o futuro gostaria de continuar esta pequena aventura e quem sabe fazê-la crescer.
..uma bicicleta sem malas fica menos bonita! Mala de guiador grande: 150€
Alguma coisa a adicionar?
Claro, quero agradecer a oportunidade de poder falar um pouco sobre a Ardenne e o seu nascimento.
Tirando lições da última viagem que fizemos, definimos logo que haveria um dia para descansar. Afinal de contas, lá por estarmos a andar de bicicleta, não quer dizer que tenhamos de sofrer horrores!
Ao contrário do primeiro dia, o Sol não brilhava. E até estava um bocadinho desagradável. A piscina tresandava a cloro. Era dia de vestoria. E as moscas eram muitas. E as crianças só faziam barulho. A piscina não era para nós.
Fomos então até à barragem.
A vista era de facto bonita.
Efeito espelho e tudo!
Ahhh , a toalhinha a assentar naquelas pedrinhas.
Não era o local mais confortável para estender a toalha.
Até que reparamos que o parque de campismo alugava canoas. Alugava canoas a um preço que mais tarde viemos a perceber que era perigosamente baixo.
Como nunca tinha andado de canoa, e como era apenas 10 euros por duas horas de milhões de diversão, lá fomos nós.
1, 2, 1 , 2 , 1 , 2
Rapidamente apercebemos-nos de duas coisas:
1-remar custa
2-não sabíamos remar
Com a barragem de Montargil mesmo, mesmo lá ao fundo, decidimos que duas horas iria dar mais do que tempo para lá chegarmos. Afinal de contas, não sabíamos remar, mas rapidamente iríamos aprender.
Paisagem e mais paisagem. E a barragem lá ao funnndo.
Percebemos agora porque é que o preço do aluguer era tão baixo. Remar custa. Custa muito. Deviam subir o aluguer para não haver ideias.
De volta ao parque de campismo, os nossos vizinhos da frente acabavam de receber a visita do Zézito.
Zé Carlos pronto para o trabalho, já em tronco nu.
O atrelado é uma tenda de dimensões avantajadas.
Atrelado em posição.
E nasce uma borboleta.
Plof. Montada!
O jipe vinha, claro, carregado até ao tecto. Pronto para a aventura!
Olhando para as nossas simples bicicletas com alforges, decidimos que afinal não éramos campistas a sério. Para já trouxemos camisas, o que claramente não era necessário para acampar. Fomos então dar um giro pelo parque para ver como é que se acampa a sério.
Claramente não percebemos nada disto. Nem MEO trouxemos na bicicleta. Nem um bocadinho de relva falsa. A tenda mais à direita é uma cozinha. A sério.
Seis mil euros parece-me um bom preço. Reparem na excelente mobília de inox. Aquilo nunca mais acaba! Relote, avançado, tenda de cozinha, mobília de inox… excelente negócio!
Nós nem pedrinhas tínhamos à volta das tendas, criando assim um jardinzinho de inspiração Japonesa. Nem cactos, nem cadeiras de jardim ressequidas.
Para apagar as mágoas, voltámos às nossas tendas microscópicas e fizemos um café no nosso fogão microscópico.
Enquanto comíamos a nossa micro-marmelada nas nossas micro-bolachas, pensámos. Será que é isto que é acampar?
“Sim, e daí? Até parece que vais fazer uma corrida. São só para aí 100 quilómetros”
“E vamos até aonde?”
“Ouvi dizer que Montargil era giro”
“Ok, bora.”
Vamos pedalar-
E assim foi. Aproveitando alguns dias livres, decidimos ir até Montargil. Tentar levar menos tralha, ver paisagens bonitas e sofrer em estradas intermináveis ao mesmo tempo que pensávamos o que iríamos escrever no anúncio do OLX para vender as bicicletas.
A nossa viagem começou em Carnaxide. Daí, era um saltinho até a estação de Alcântara-Terra. Em Algés, passa por nós um tipo a pedalar uma bicicleta de supermercado a todo gás. Já em Belém, ainda pedalava xeidaforça até que lhe ficou um pedal pelo caminho. Como íamos apanhar um comboio, não podíamos parar. Desculpa, amigo!
Já em Alcântara, foi tempo de comprar o bilhete.
Seguiu-se a habitual luta com a máquina de bilhetes. Estas máquinas, instaladas pelo departamento de sofrimento e insatisfação da C.P, foram desenvolvidas para tornar a compra de um simples bilhete numa experiência sádico-científica. Aposto que o chefe de estação está à janela, a avaliar o tempo que cada pessoa demora para comprar o raio do bilhete. E esfrega as mãos. E ri.
Como o pequeno almoço foi logo queimado no duro trajecto Algés-Alcântara, estava na altura do reforço. Logo ali estava um quiosque /café que tinha bolas de Berlim. A comida ideal, claro. E assim foi. A comer cada um a sua bola de Berlim, ouvíamos os rapazes tóxico-independentes.
“Aiiiiiii, Tónito, ganda ginga”
“Sim, foram duzentas balas, fui bescá-la ontem” (o Tónito pedalava uma bicla da Decathlon)
Nisto, o Tónito repara nos nossos bólides e comenta. “Elah, dois Brooks. São iguais aos meus. Meus, salvo seja”
Pois. Obrigado Alcântara.
Entrámos no confortável comboio da C.P que nos iria levar até a Azambuja. Viagem tranquila.
Já na Azambuja, pudemos contemplar a belíssima arquitectura da estação de comboio.
Reparem só nesta obra mestra. A rampa de acesso, tão acolhedora.
Pelo menos, dá para ir de bicicleta.
A rampa vai dar a este bonito jardim.
Na Azambuja, houve tempo para comprar água, pois já não estava aquele fresquinho matinal, tirar fotos e reparar que nesta terra se podia comer sandes de tripa, bucho e courato. Que maravilha.
Foi tempo de começar a pedalar. Estrada Nacional até Santarém. Tudo tranquilo. Breve paragem para ver este muro pintado com frases bíblicas. Belo trabalho.
Já me tinham dito que havia uma subida até Santarém muito difícil. Mas como ainda era cedo, fez-se bem.
A subida não é esta.
Santarém é uma terra muito bonita. Mas, neste dia, foi só de passagem, pois para além de querermos chegar a Montargil antes de escurecer, disseram-nos que em Almeirim é que se comia boa sopa da pedra. E já estava a ficar perto da hora de almoçar.
A descida de Santarém até Almeirim é qualquer coisa. Recomendo.
Aliás, esta paisagem toda é linda.
Em Almeirim, almoço excelente. Por 5,99€, comemos um “menu” que incluía sopa da pedra, um copo de vinho ( que pedimos para trocar por Coca-Cola, “não devia trocar, mas vá, pode ser” ) e uma bifana. O restaurante também não tinha serviço de esplanada, mas as coisas apareceram na mesa de qualquer maneira. “Se perguntarem, não fui eu que vim aqui trazer a comida”. “Claro, claro”.
A sopa estava tão boa que nem me lembrei de pedir cubos de gelo para a Coca-Cola. Porque raio é que em Portugal parece haver uma falta tremenda de gelo? Haverá algum racionamento de gelo que desconheço?
Após Almeirim, ou melhor, após o almoço, pedalar foi complicado. É complicado depois do almoço.
Estradas intermináveis até Montargil. Raios, no mapa parecia mesmo perto.
Nestas alturas, pensamos em trocar de modalidade, comprar bicicletas eléctricas, pedir boleia a estranhos.
Enfim. Felizmente estava muito calor e sol, para ajudar.
Após quatro horas a pedalar, chegámos ao parque de campismo! Que naquela altura do campeonato, parecia um palácio. Mas, após reflexão cuidada no dia seguinte, as coisas não eram bem o que pareciam. Mas isto fica para a segunda parte.