Motoconfort Super Touring: um teste de 5 anos

Motoconfort Super Touring: um teste de 5 anos

A bicicleta que mais vezes aparece nas fotografias da Velo Corvo é a minha bicicleta. Uma Motoconfort Super Touring, que comprei já há mais de 5 anos, algures no Norte, por um preço pouco abaixo dos 100 euros.

Esta bicicleta iria marcar e definir muito daquilo que pretendo fazer com a Velo Corvo, tanto em termos estéticos como técnicos. Um dos aspectos que marcavam uma novidade para mim eram as rodas 650b. Hoje em dia, estas rodas são conhecidas como 27,5”. Apresentadas como uma grande novidade, este tamanho de roda já existe há largas décadas, senão mesmo quase um século. A ideia destas rodas seria possibilitar o uso de pneus balão, com uma secção ampla, de forma a poder absorver as irregularidades das estradas e caminhos da altura. Com um diâmetro mais pequeno do que uma “normal” roda 28, e, juntamente com um pneu mais largo e alto, o diâmetro final do aro 650b mais pneu 650×44 será perto do diâmetro de uma roda 700×23.

Ter pneus largos torna a bicicleta muito mais versátil e menos desportiva. Felizmente, a ideia da competição não me atrai nada.

A ideia inicial para a bicicleta seria mantê-la o mais possível de origem, algo que se provou, com o tempo, impossível. Veremos porquê depois.

II. A bicicleta

A bicicleta é uma Motoconfort Super Touring, dos anos 70, com rodas 650b.

O quadro é de aço, claro. Tubagem peso médio, nada de levezas aqui. Um quadro deste tipo tem os seus pontos a favor e os seus pontos contra. Por um lado, é muito resistente. Dura uma vida, se for bem construído. O seu peso mais elevado torna-o mais lento e mortiço. Será isso bom? Depende um bocado do gosto e necessidade de cada um. Se for para uma bicicleta utilitária, um quadro mais pesado será boa ideia. Mais resiliência, maior absorção de impactos. E sobretudo, e talvez o aspecto mais importante, a possibilidade de carregar mais a bicicleta. Claro que todos estes aspectos são susceptíveis de uma graduação entre o extra leve ao tubo de aquecimento central.

O quadro desta bicicleta mede 55 cm (c-c, tubo de selim) e 55 cm (c-c, tudo superior). A testa do quadro é também alta, o que se transmite num tubo superior mais alto, possibilitando ao guiador ficar mais ao nível no selim. Esta posição vai permitir um maior conforto em distâncias maiores. Para além de facilitar a vista da paisagem. As escoras da corrente são também compridas, para dar espaço para o pneu largo e pára lamas. Este comprimento extra também se transmite no comportamento da bicicleta: mais lentidão nas curvas, mas muito, muito estável.

Outro aspecto importante é a geometria do garfo. Neste caso é um garfo de baixo-trilho (low trail). As vantagens de um garfo baixo-trilho são várias, para o cicloturista. Mais estabilidade da bicicleta carregada, pois o comprimento geral da bicicleta é maior. Sobretudo se levarmos a frente da bicicleta carregada, que é algo para o qual esta bicicleta está particularmente preparada.

Relativamente a espaçamento para pneus, este quadro está preparado para levar 650×44 sem problemas de roçar em pára lamas. Aliás, que seria desta bicicleta sem pára lamas?

Para transportar toda a tralha do mundo, a bicicleta traz de origem dois suportes: um tradicional suporte traseiro e um dianteiro, bem grande de forma a poder acomodar um saco de guiador grande, tal como alforges laterais frontais.

As rodas eram umas tradicionais rodas com aros em aço Rígida, enraiadas em torno de uns bonitos cubos de flange alta Normandy.

A transmissão era composta por uma pedaleira Nervar de dois pratos (ambos enormes). Desviadores Huret e roda livre com 5 velocidades Atom. Manípulos de mudança Huret.

Tudo componentes de gama “normal” e indicados para um uso ligeiro. Indicados também para um uso em terreno mais ou menos plano, pois a desmultiplicação oferecida pelos pratos e pelos carretos era pouca. Demasiado pouca.

Os travões eram uns CLB, cantilever. As manetes de travão eram uma curiosidade. Era só uma, do lado esquerdo, que accionava os dois travões.

O selim era um velho Ideale, já muito marcado pelo tempo.

Os pára lamas, de aço cromado. Bem largos e resistentes.

O sistema de luz (e é engraçado pensar como antigamente, muitas bicicletas vinham com um sistema de luz) era um habitual Soubitez alimentado por um dínamo.

III – Alterações feitas

Como disse no início, queria manter a bicicleta o mais original possível. E assim foi, pelo menos durante uns meses. Claro que a bicicleta começou rapidamente a mostrar a sua idade. Quase de imediato, troquei os calços de travão. Os pneus foram a seguir, juntamente com as câmaras de ar.

O selim, apesar de alguma tentativa de recuperação, precisou de levar um remendo de pele no seu interior.

E claro, as rodas começaram a empenar, após algum uso.

Isto e o facto da desmultiplicação oferecida pela transmissão ser insuficiente para o uso diário na zona de Lisboa e mesmo até para viagens maiores, pensei que a opção melhor seria mesmo alterar a bicicleta, totalmente.

Esta transformação foi uma verdadeira lição. Como contornar as diferentes roscas (francesa/suiça), como fazer funcionar, numa primeira alteração, uma pedaleira tripla dos anos 80, com um eixo ISO em copos franceses até à descoberta de que se consegue enroscar um eixo ISO em roscas suiças (coisa que não recomendo para todos os quadros, óbviamente).

As primeiras alterações foram as rodas: enraiei uns excelentes (mas caros) aros Velo Orange em torno de uns cubos Shimano. O cubo de trás é um cubo LX de montanha. Sim, é mais largo, o que obrigou a abrir o quadro para poder acomodar a largura superior. À frente, um cubo dínamo Shimano, que alimenta agora umas luzes bem superiores às Busch +Muller.

De início, os desviadores e pedaleira eram de origem japonesa. Mas com o tempo, voltei atrás. A pedaleira agora é uma mítica Stronglight 49 d tripla. Os desviadores, Huret.

Os travões são os conhecidos cantilevers MAFAC com calços Kool Stop cor salmão, claro. A manete faz tudo foi substituida por umas Guidonette da Dia Compe.

Os pneus são agora uns Panaracer Pasela 650b x 44.

O selim, um Ideále, mas em melhor estado.

Resumindo: de original temos o quadro, garfo, caixa de direcção , pára lamas, avanço, guiador e espigao de selim.

Decidi pintar o quadro porque simplesmente me apeteceu ter uma bicicleta laranja.

Para terminar, uma campainha japonesa, uma fita de guiador em pano e uma mala de guiador Ardenne.

Motoconfort: 5 anos de teste

Torre, Serra da Estrela. Mais ou menos 2000 metros de alt.

Uma coisa que é difícil é atribuir o porquê de uma bicicleta ser A bicicleta.

A verdade é que esta minha Motoconfort é A bicicleta, ou uma DAS. Sem dúvida que por mais que experimente outras bicicletas, esta será sempre especial. A geometria é ideal para aquilo que gosto de fazer de bicicleta: dias inteiros a passear, com alguma tralha. O peso, por vezes é chato. O quadro podia, de facto, ser mais leve. O peso extra, e, sobretudo o tipo de aço, que implica o uso de tubos mais espessos, torna o quadro menos vivo quando queremos ganhar velocidade depressa. Como em tudo, há um equilibrio. As escoras longas ajudam na estabilidade, mas tornam a bicicleta menos vivaça. Nada de errado, é o que é. No fundo, há que tentar perceber as vantagens e desvantagens de cada geometria e o porquê de haver tanta variedade, mesmo que, à primeira vista, nos pareça tudo idêntico.

Depois das alterações feitas, a bicicleta ganhou outra vida. O quadro é de facto a base da bicicleta, mas muito é feito pelas peças e acessórios. A transmissão, com uma pedaleira tripla (26-38-50) e uma cassete 12-32 ajudam a conquistar toda e qualquer subida. Os desviadores são uns Huret. O desviador traseiro é um Huret de caixa longa, para poder usar a pedaleira tripla à vontade. Os manípulos de mudança são uns Simplex, de fricção. Nestes anos todos, afinei as mudanças 3 ou 4 vezes. Os travões MAFAC, depois de afinados, são bem potentes. O uso de calços Kool Stop faz toda a diferença. As manetes Dia-compe têm uma geometria ligeiramente diferente das originais MAFAC Guidonnette : a alavanca é superior, mais força no cabo, logo, mais força aplicada no aro.

As rodas ficaram boas. Apenas um raio partido nestes anos todos. Os aros Velo Orange duram e duram. Já mostram alguns sinais de desgaste, mas também, após 5 anos de uso diário…

O sistema de luzes foi outra descoberta. Mesmo usando um cubo dínamo de gama de entrada Shimano, as luzes Busch+Muller são excelentes. Para além de sermos vistos, conseguimos ver o caminho.

A fita de pano com goma laca pode não ser para toda a gente: é fina e oferece muito pouco amortecimento.

Os pneus Panaracer são excelentes. Mesmo na versão mais grossa, os Pasela, a borracha dos mesmos é muito macia. A 3,5 bar é como pedalar em cima de nuvens.

Esta bicicleta já me levou longe: Serra da Estrela, Gerês, Eroica Espanha, Arrábida, Sintra, Montejunto, Óbidos. Para além de ser o meu meio de transporte há 5 anos. Dificilmente deixarei de andar nela. Ainda agora, mesmo tendo uma bicicleta mais leve, continuo a pensar na Motoconfort.

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